Impopulares e amargos em 2014
O espantoso, na campanha, é que candidatos falam em medidas
que prejudicam a maioria dos eleitores e nada acontece
Só pode haver algo muito errado numa campanha eleitoral na
qual um dos candidatos de oposição diz que não tem medo de tomar “medidas
impopulares” e nada acontece.
Assessores de outro candidato de oposição, informa o Pedro
Venceslau no Estado de S. Paulo de hoje, admitem em voz baixa que apoiam
“medidas amargas.”
Vamos combinar.
Até por uma questão
de respeito por cada um de nossos 100 milhões de eleitores, em especial a
imensa maioria que é alvo de medidas impopulares e amargas, seria bom saber o
que se quer dizer com isso.
Fazendo uma imagem para facilitar o entendimento, vou
colocar a coisa em termos bem populares.
É como um sujeito que
chega para jantar de luxo, avisa que dentro de alguns minutos pretendem passar
na cozinha para bater a carteira dos empregados e nenhum convidado pergunta:
como assim? Eles vão deixar?
Na lata? E ainda manda aviso prévio?
Quantos reais podem ser extraídos do bolso de cada
brasileiro quando um governante pretende tomar medidas “impopulares?”.
Quanto valem os “amargos?”.
Este é o debate que importa, não?
Em situações normais, nossos New York Times, Guardian, CNN, El
País, Le Monde não deixariam passar uma notícia dessas. Na disputar pelo olhar
do público, teriam transformado uma afirmação dessas num escândalo.
Tenho certeza de que Adam Prezeworski, o brilhante cientista
político que o PSDB adorava ler quando se considerava socialdemocrata, iria
questionar: estamos abandonando a frágil, mas necessária relação entre
capitalismo e democracia?
Até por uma questão
de etiqueta, no mundo inteiro políticos que defendem medidas “não-populares”
gostam de disfarçar, dizendo que são na verdade “populares.”.
Não é sincero, mas é
menos arrogante do que entrar numa campanha eleitoral dizendo que se pretende
prejudicar a maioria.
Igual a isso é falar
em medidas amargas quando faltam poucas semanas para a criançada ganhar os ovos
de Pascoa, não é mesmo? No fundo, não
espanta.
Um sorridente
filósofo-economista em campanha já disse – longe, muito longe dos palanques --
que acha que o país não pode conviver com um povo que come bife todo dia. É
ruim para o meio ambiente, pretextou, pois gado solta gases para a camada de
ozônio.
O cidadão comum – o
“popular” que não estava naquele jantar de “impopulares”, agora você começa a
entender a coisa, tem direito a fazer perguntas. Diga rápido o que são medidas
“impopulares” para 2015? Por exemplo:
a) o plano é acabar com a lei do salario mínimo?
b) revogar a CLT e informalizar o mercado de trabalho?
c) cortar gastos sociais, o que inclui, você sabe, o Bolsa
Família?
d) cortar repasses a bancos oficiais que permitem manter
crédito barato para investimentos e
emprego?
O debate de política econômica na eleição de 2014 é este. O país vive o menor desemprego de sua
história. A economia cresce. Sim. Não tivemos recessão – apesar da torcida
impopular.
É preciso ser muito
“não-popular” para encher a boca e dizer que “deu errado”, vamos combinar.
Qual a prioridade,
para a maioria dos “populares”, num país onde a lei diz que um homem vale 1
voto?
É preciso devotar
um desprezo impopular irresistível pela inteligência popular para querer
apresentar uma boa folha corrida do PSDB na luta contra a inflação.
A média da
inflação no governo FHC foi de 9,2% -- depois da moeda nova. A de Lula, que
recebeu uma inflação de 12,5%, foi de 5,7%. A de Dilma se encontra em 6,1%.
Em 1995, 1996, 1999
e 2002, a inflação atingiu sob FHC, um patamar que jamais seria repetido, em
momento algum, após a chegada de Lula ao Planalto. Ocorreram perdas salariais,
que não se verificaram a partir de 2002. Deu errado?
Esse debate
distorcido acontece porque estamos em 2002, mais uma vez. Terror eleitoral
programado, com ajuda de nossos News of the World. O terror deles funciona com
a língua de significados invertidos, onde a verdade é seu oposto.
Você lembra. Em 2002 um economista do Goldman Sachs lançou o “lulômetro”, uma peça
de marketing eleitoral disfarçada de cálculo econômico, que pretendia
aterrorizar o eleitor com projeções sobre o futuro do país caso Luiz Inácio Lula
da Silva chegasse à presidência. Ajudou a criar pânico nas bolsas, deixou a
classe média amedrontada, criando uma situação política que forçou Lula a fazer
concessões além da conta para garantir o início de seu governo. Já vimos este
filme. Dez anos depois do lulômetro, o economista-chefe do mesmo Goldman Sachs,
disse para a revista Época Negócios que Lula foi o mais competente presidente
dos países do G-20.
Os mais espertos
impopulares-amargos de 2014 apostam em todas as canoas – não podem se dar ao
luxo da imprudência por motivos ideológicos -- mas não deixam de notar que uma
delas anda na frente. Podem até ter suas preferencias profundas, mas querem
ganhar o jogo de qualquer maneira, não importa o vitorioso. Em caso de derrota, querem colocar uma faca
no pescoço de Dilma. Este é o ponto. Por isso falam tanto em mudar o “modelo.”
A crítica se concentra em 2009, quando o país enfrentou a maior crise do
capitalismo desde 1929 sem desemprego nem recessão. Dizem que o erro foi
cometido ali e agora é preciso arrumar a casa. Não perdoam o esforço para
resistir à austeridade, as demissões em massa, aos cortes que jogaram a Velha
Europa no atoleiro de hoje.
Em 2014, o
condomínio Lula-Dilma disputa – como favorito – o quarto mandato consecutivo no
Planalto, um feito sem igual na história de nossa República. Não teve ajuda “impopular”
de ninguém.
Em momentos de
delírio, os adversários sonharam até com um impeachment auxiliado por um
barítono da Baixada Fluminense, não é mesmo? A base é o reconhecimento pelas
conquistas que os “populares” obtiveram até aqui. O que se pretende é revogar,
uma a uma, aquelas conquistas alinhavadas nos itens “a” a “d.”
Foi assim há 50
anos, não custa lembrar. Num gesto de
grande dignidade, o avô das medidas impopulares chamou de “canalhas” aqueles
que pretendiam derrubar, pelas baionetas, um governo que não tomava medidas
“impopulares.”.
O avô do amargo
recusou-se a entregar o cargo, foi para a cadeia depois discursar no rádio em
defesa da “revolução pernambucana.”.
Está na hora de
garantir transparência política na campanha, concorda?
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