quinta-feira, 21 de agosto de 2014

PSB perde a presidência da República hoje


Momentos antes da candidatura de Marina Silva ser oficializada, em evento anunciado para a tarde desta quarta-feira, mas que prolongou-se noite adentro, o Partido Socialista Brasileiro enfrentava um ambiente menos festivo do que se poderia imaginar. Para além de toda dor provocada pela morte de Eduardo Campos, um líder que soube se impor pela força de mando mas também pela capacidade de oferecer respostas políticas que agradaram a maioria do partido, ficou uma questão grande demais para ser ignorada, mas grave demais para ser discutida abertamente. A candidata não é do PSB, não pensa como o PSB, não tem amigos no PSB nem irá governar, em caso de vitória, com o PSB.

Perdemos a eleição hoje, disse um auxiliar dos socialistas, subindo as escadas da sede nacional do PSB, em Brasília — que fica numa sobreloja da Asa Norte, num conjunto de salas que, pelo caráter austero, lembra uma escola de computação. “O que é combinado não é caro,” afirmou o governador do Espírito Santo, Renato Casa Grande, ao chegar, depois de participar, no Lago Sul, de uma reunião de dirigentes do partido com a própria Marina. Nem todos os detalhes do acordo entre Marina e o PSB são conhecidos e é provável que muitos deles jamais se tornem públicos. O certo é que, ao longo do dia, os dirigentes do PSB se encarregaram de amassar e colocar na lata do lixo uma ideia exótica que havia circulado na véspera — a de obrigar a candidata a assinar uma carta com compromissos com o partido sob condição de garantir sua candidatura.

Marina Silva não se tornou candidata presidencial porque o PSB queria mas porque não possuía outra opção. Ainda que a candidatura de Eduardo Campos desse a impressão de ter chegado a seu teto sem mostrar-se competitiva — pelo menos antes do início do horário político — seu circulo próximo nunca deixou de acreditar em suas próprias chances de ganhar a presidência da República. A tese é conhecida: Eduardo seria capaz de bater Aécio no primeiro turno em função do desgaste tucano e, na segunda fase, carregar os votos do PSDB para vencer Dilma. Embora vista com relativa incredulidade fora do PSB, em suas fileiras essa visão era alimentada e repetida cotidianamente, numa narrativa que o jornalista Alon Feuerwerker, coordenador da campanha, conseguia defender com lucidez e argumentos racionais.

Se era assim com um candidato que nos bons momentos das pesquisas mal chegava perto dos dois dígitos de intenção de voto, não é difícil pensar que Marina possa conseguir a mesma coisa. Ela não só obteve o dobro em 2010 como deixou as pesquisas — quando oficialmente também deixou de ser candidata — com 27& das preferências. A Marina de 2014 não é a mesma de 2010. É aquela que pode ser vitaminada pelos protestos de 2013, que enxerga em sua candidatura um caráter anti-sistema e anti-políticos — e até agora não deu mostras de fazer qualquer objeção a presença de um núcleo de auxiliares ultra-conservadores que têm dado as cartas nos debates econômicos, aquela área de qualquer governo que envolve salários, emprego, programas sociais e outras decisões que afetam para melhor ou para pior a vida da população mais pobre.

O PSB tentou resistir a Marina e fez isso enquanto era possível imaginar que se tratava de uma perspectiva realista. Durou pouco. No ano passado, o senador Rodrigo Rollemberg, candidato ao governo do Distrito Federal, foi quem levou a Eduardo Campos o recado de que, após a reprovação da Rede no TSE, Marina Silva mandava dizer que queria preencher a ficha do partido — e ouviu, como primeira reação, uma pergunta que ficaria célebre: “você já bebeu?” Em 2014, candidato junto a um eleitorado fiel a Marina, qualquer que seja seu partido, Rollemberg foi um dos raros partidários de sua candidatura presidencial no primeiro momento. Outros dirigentes, com peso e liderança, vieram depois. Eles temiam ser prejudicados pelo boicote de Marina a suas alianças, como o acordo com Geraldo Alckmin em São Paulo.

A rendição a nova candidatura se fez em nome da mais preciosa e fugaz mercadoria da vida política. Não é o poder, como muitos pensam. Mas a perspectiva de poder, como já entenderam os profissionais do ramo. Se o poder impõe limites e restrições, pois é preciso fazer escolhas, definir prioridades e dizer “não”, por mais que isso seja desagradável, a perspectiva do poder contém uma aura de sonho, de alcance infinito. Foi por causa dela que os socialistas não puderam recusar o apoio a Marina e deram aquele passo em que mesmo uma eventual vitória também irá significar uma estranha derrota, com a qual não contavam — pelo menos agora.

Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

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