ENVIADO POR RENATO SOUZA QUI, 18/09/2014 - 23:19
(por Renato Santos de Souza)
Assim que a candidata Marina Silva lançou seu programa de Governo, eu
escrevi aqui neste mesmo jornal o artigo “O verdadeiro sentido do Banco
Central independente da Marina” (http://jornalggn.com.br/fora-pauta/o-verdadeiro-sentido-do-banco-central...).
Nem imaginava que o tema esquentaria tanto e que se tornaria um dos
principais divisores de água entre as candidaturas de Dilma e Marina.
O artigo recebeu muitos comentários, favoráveis e críticos, como convém
ao bom debate. Pelo valor que a discussão tem apresentado, e como
retorno aos comentários recebidos, resolvi escrever esta continuação,
para esclarecer questões que não deixei claras anteriormente, e também
para responder a algumas críticas recebidas.
Inicialmente, gostaria de justificar porque usei o termo “independência”
e não “autonomia operacional” do Banco Central, termo que seria mais
correto segundo alguns comentários.
Primeiro, usei o termo “independência” porque considero o termo
“autonomia operacional” uma espécie de cortina de fumaça economicista,
que visa dar uma conotação técnica para uma questão que é eminentemente
política, que envolve governança pública, interesses públicos e privados
e relações de poder.
Sei que os economistas mais ortodoxos me criticariam por isto, conheço o
preço a pagar por politizar a questão. Mas eu certamente não encaro a
ciência econômica como estes, que provavelmente a vejam como uma ciência
positivista, incremental, acertiva, fazedora de leis universais sobre o
funcionamento da economia, produtora simbólica de verdades. Dentro das
ciências sociais e humanas, somente a economia permanece
predominantemente com esta visão.
Mas para mim, ao contrário, a ciência econômica, incluindo a
Macroeconomia, ainda é uma ciência política e social, nominalista e não
realista, e interpretativa.
Portanto, há razões epistemológicas que nos dividem.
Para o nominalismo, por exemplo, o conhecimento do mundo econômico e
social não é mais que nomes, seus conceitos e interrelações, que
formamos e organizamos conforme certos interesses e propósitos, e que
podem variar conforme o observador. Ele não é a representação da
realidade mesma, como ela é.
Portanto, aqueles que “denominam” esta independência de autonomia,
provavelmente queiram levar a questão para o terreno técnico, de
dinâmica gerencial e operacional da economia, supondo uma ciência
econômica e seus economistas isentos de valores, e neutros em relação
aos interesses e poderes envolvidos no gerenciamento da moeda, dos
bancos e do sistema financeiro; supondo, também, um sistema de
conhecimentos econômicos incontroversos, unívocos, feitos de leis gerais
verdadeiras e únicas sobre a política econômica.
Certamente não é esta a minha visão. Para mim, não só a o conhecimento
em economia mas também a independência do Banco Central é questão
essencialmente política, pois o conjunto da política econômica de um
país envolve uma série de propósitos, escolhas, prioridades, renúncias,
interesses, relações de poder e condições que escapam à ciência
econômica e aos economistas. Precisa-se deles para se fazer política
econômica, mas a política econômica não é uma prerrogativa deles!
Neste sentido, o termo independência revela mais este conteúdo político
que o termo autonomia operacional, pois ele traz na sua raiz as relações
de dependência/poder que expressam quem depende de quem e quem pode o
que na política econômica. Independência significa não depender, e como
dizia Richard Emerson, a dependência é inversamente proporcional ao
poder. Então, quanto mais independente, mais poder.
Foi isto que eu argumentei no artigo anterior, que o Banco Central seria
o protagonista autônomo das políticas Monetária e Cambial, ao passo que
a Política Fiscal do Governo, supondo que este fosse fiscalmente
responsável, seria dependente daquelas políticas. Então, para que lado
penderia a balança do poder na República? Eu não tenho dúvidas, para o
lado do Banco Central e de seus controladores.
Em segundo lugar, de fato, embora semanticamente muito próximos, autonomia e independência são termos ligeiramente distintos.
Autonomia é uma dimensão da liberdade. Alguém é livre quando tem
autonomia. A outra dimensão da liberdade é o poder. Alguém é livre,
também, quando tem poder sobre seus atos.
Desde cedo nós damos autonomia aos nossos filhos, por exemplo, sem
necessariamente independizá-los, pois a autonomia que damos a eles pode
ser retomada a qualquer momento. Eles tem autonomia mas ainda não tem
plenos poderes sobre suas ações.
Mas quando eles se tornam maiores, esta autonomia se torna irreversível,
então eles adquirem independência de ação, e já não podemos governá-los
com nosso poder paternal. O que houve nesta passagem? A autonomia se
institucionalizou, seja porque eles se tornaram maiores de idade, seja
por que adquiriram independência financeira.
A instituição é isto: algo está institucionalizado quando sua reprodução
no tempo não depende mais de ação, mobilização ou concessão para
acontecer; quando ela é garantida, seja por regras, por valores
compartilhados ou normas sociais estabelecidas.
Este foi o salto quântico que a Marina deu no seu discurso sobre a
autonomia do Banco Central: ela falou em autonomia, não em
independência, mas disse que esta autonomia “precisa agora ser
institucionalizada”, e garantiu que fará isto por meio de lei.
Ora, o que é a independência senão uma autonomia institucionalizada? Uma
autonomia que, uma vez institucionalizada, transforma-se realmente em
poder, em independência, e produz uma condição plena e estável de
liberdade de ação.
É isto que ela quer para o Banco Central e para o seu Governo: um Banco
Central livre da ingerência governamental e com poder sobre as políticas
Monetária e Cambial.
Mas há um ardil em sua proposta de independência do BC, pois nos termos
da política econômica liberal e monetarista com a qual ela está se
comprometendo, a autonomia do seu Banco Central precisaria realmente ser
institucionalizada.
Como estratégia política, institucionalizar esta autonomia é uma forma
de terceirizar as decisões amargas e impopulares que seu Governo
tomaria, para um órgão supostamente técnico e institucionalmente
independente. É uma forma do governante não assumir a responsabilidade
pelo aumento da taxa de juros, por exemplo, pela restrição monetária e
retração do crédito que a maioria dos seus assessores econômicos
sinalizam que ocorrerá em seu Governo. Ora, se fosse para manter baixa
ou baixar ainda mais a taxa de juros, para fazer uma política monetária
ativa, expansiva, desenvolvimentista, que gerasse crescimento econômico e
satisfação na população, certamente o governante não deixaria para o
Banco Central este papel: tomaria para si esta política, e colheria os
louros da aprovação popular. Até porque não se espera do Banco Central
uma política econômica ativa.
Por isto a Marina fala em Banco Central institucionalmente autônomo (ou
independente), sem falar, como fez o Aécio, nos “remédios amargos” e nas
decisões impopulares sobre a política econômica. Porque o seu Banco
Central independente é que fará isto, que ela sabe que vai fazer mas não
pode e não quer assumir.
Para o Aécio e para o FHC o Banco Central não precisava ser
independente, pois este tipo de política estava no DNA de sua ideologia
liberal monetarista, e era o fundamento teórico de sua equipe econômica.
Por isto o Aécio fala claramente sobre as decisões impopulares que
tomaria na política econômica, e tem justificativas neoliberais para
isto.
Mas num governo como o da Marina, supostamente socialista e travestido
de “nova política”, isto não pode ser assumido claramente sem cair em
contradição histórica e sem desiludir boa parte do seu eleitorado, que
vê nela a renovação e não uma volta ao passado, como um passo atrás.
Então, o Banco Central independente se torna a fórmula mágica, o
subterfúgio, a cortina de fumaça técnica para praticar uma política
econômica liberal monetarista sem assumir o ônus político por esta
decisão, sem envergar o Governo para o liberalismo econômico e sem ter
que assumir estes compromissos na campanha. Cria-se legalmente uma outra
estrutura de poder sobre a política econômica, independente do Governo,
dá-se contornos e razões supostamente técnicas a ela, e delega-se a ela
estas decisões, despolitizando completamente a questão e supostamente
eximindo o Governo desta responsabilidade.
Mágico mas fantasioso, pois não há mais como esconder as verdadeiras
razões do seu Banco Central independente. Tanto os seus assessores e
formuladores da sua política econômica como o próprio “mercado” - para
usar um termo que muitos economistas gostam – já tem dado sinais fortes
do real sentido desta mudança.
Neste sentido, os desdobramentos da discussão sobe o Banco Central
Independente da Maria e sua política econômica liberal tem dado razão ao
que eu escrevi no artigo anterior, e que foi criticado por
comentaristas como mera ilação, especulação e inferência indevida de
causalidade.
Por exemplo, Alexandre Rands, um dos principais assessores econômicos de
Marina, afirmou recentemente no O Globo que um Banco Central
Independente já teria subido a taxa de juros muito antes, e que a
retomada do crescimento só ocorreria no 4º ano de um eventual governo de
Marina. Antes disto, analistas do CitiBank, representando o “mercado”,
já haviam afirmado, conforme a agência Reuters, que o programa de
governo da Marina Silva favoreceria os bancos privados. Disseram
literalmente que as primeiras medidas provavelmente envolvam movimentos
iniciais dolorosos nas taxas de juros (leia-se, elevação), impostos,
gastos públicos (leia-se aumento de impostos e corte nos gastos) e nos
empréstimos dos bancos públicos (leia-se, retração no crédito, incluindo
para a casa própria) que podem manter a economia crescendo em marcha
lenta em 2015.
Especialmente neste último aspecto, eles disseram que o programa de
governo da Marina é contraditório, pois prevê a construção de 4 milhões
de moradias, mas pressupõe arrocho fiscal e monetário e restrição ao
crédito, inclusive com redução da participação dos bancos públicos no
financiamento.
Aliás, sobre a questão do crédito imobiliário, o programa da candidata
tem outro ardil, conforme detectou o jornalista Paulo Moreira Leite: ele
prevê o fim do crédito direcionado, que é a obrigatoriedade dos bancos
colocarem a disposição do crédito imobiliário no mínimo 65% dos recursos
captados na caderneta de poupança. Na prática, implica redução da
disponibilidade de crédito para o setor.
Por fim, os analistas do Citi afirmaram que “as propostas macro (do
programa da Marina) são uma resposta direta às críticas do mercado à
política vigente”, indicando, sem rodeios, quem terá influência
prioritária sobre a política econômica: o mercado financeiro.
Aliás, aqui reside mais uma de minhas divergências epistemológicas e
ideológicas com relação a alguns dos comentaristas que criticaram o meu
texto anterior, pelo fato de eu supostamente ter desconsiderado o
mercado. Não, eu não desconsiderei. Ocorre que economistas liberais
monetaristas são positivistas, conforme já havia escrito o pai de todos
eles, Milton Friedman, em um artigo sobre a metodologia da economia
positiva. Então, eles veem o mercado financeiro como um dado técnico,
exógeno, real e natural. São deterministas, portanto.
Eu, ao contrário, como nominalista e não positivista, vejo o mercado
financeiro como um nome e um conceito conveniente para designar um
conjunto limitado e poderoso de pessoas, de jogadores, especuladores,
que tem interesses e recursos de poder, e que em função deles especulam,
manipulam, fazem lobby, criam e forjam expectativas tentando impor seus
interesses sobre a sociedade.
Portanto, eu não sou determinista em relação a eles: eu acredito muito
mais no protagonismo das pessoas e dos governos, e não na submissão
servil ao mercado, que é, ao que parece, a consequência da proposta de
política econômica da Marina Silva.
E para manter este protagonismo é que não podemos dar independência ao Banco Central.
http://jornalggn.com.br/fora-pauta/mais-sobre-o-banco-central-independente-da-marina
Postado há 13 hours ago por Blog Justiceira de Esquerda
Do Blog Justiceira de Esquerda.
Um comentário:
Sinto falta da militância de rua do PT, distribuindo folhetos e santinhos e adesivos como os militantes pagos da direita fazem. Nossa militância sempre foi espontânea, temos comitês em cada capital, é hora de ir pra rua e disputar eleitores. Eles estão ganhando de dez a zero nesse quesito, mesmo com militância paga. Aqui no RJ tem um comitê importante no térreo do Ed.Avenida Central, próximo ao De Paoli.
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