sábado, 1 de novembro de 2014

A tática Black Bloc e as histórias não contadas na grande mídia


"Livro “Mascarados” permite mergulho na realidade de jovens e adultos trajados de preto, que ganharam notoriedade em protestos violentos contra o Estado e sistema financeiro atual

, GGN

“Muitos falaram sobre eles, mas com eles, poucos.” É assim que a espanhola Esther Solano Gallego, uma das autoras do livro “Mascarados - A verdadeira História dos adeptos da tática Black Bloc” falou ao GGN sobre o bloco negro que tomou as ruas de diversas cidades do País a partir de junho de 2013, com um olhar especial sobre o movimento em São Paulo.

Foi no Estado governado por Geraldo Alckmin que a professora da Unifesp foi utilizada, inúmeras vezes, por jornalistas da grande mídia que queriam chegar a qualquer um dos mascarados, ou apenas reportar o clima das manifestações que renderam picos de audiência nos programas de TV.

Muitos dos profissionais da imprensa tradicional, segundo contam os autores, criaram um “cordão imaginário de isolamento”, uma distância “inexplicável” dos verdadeiros atores dos protestos violentos contra o Estado, o sistema financeiro atual e as mazelas da sociedade.

Esse ruído na mensagem que os adeptos da tática Black Bloc pretendiam enviar à população despertou em Esther e nos jornalistas Bruno Paes Manso (Estadão) e Willian Novaes (editora Geração) o interesse em recontar a história dessa massa negra mal compreendida (ou, no mínimo, mal explorada). De pouco mais de um ano de contato direto com os mascarados - pois a pesquisa se estendeu até os protestos na Copa do Mundo - nasceu o livro que será lançado no dia 4 de novembro, na capital paulista.

Dividido em quatro partes, "Mascarados" insere e contextualiza a tática nas manifestações que eclodiram em junho de 2013. Na obra, Esther aprofunda-se na pesquisa sobre os adeptos, Bruno Paes explica como foi a cobertura na grande mídia e Willian Novaes traça sete perfis que representam os cerca de 70 black blocs de São Paulo, além de entrevistar o coronel Reinaldo Rossi, que acabou sendo agredido por um destacamento do bloco negro.

Na visão de Novaes, chama atenção o fato de a grande imprensa, principal interlocutora entre as massas e os fatos do cotidiano, não ter mergulhado na realidade dos mascarados. Tampouco as autoridades policiais ou o Estado conseguiram explicar quem eram esses manifestantes, e o que queriam dizer, pois o diálogo foi negligenciado.

“O que eu senti foi um receio por parte da mídia de uma coisa que não existia. E o livro vem à tona justamente para isso: mostrar quem são esses rapazes e moças que usaram a tática Black Bloc, pois isso não passou na TV”, comentou o jornalista.

Por trás das máscaras

E quem eram as pessoas dispostas a entrar em confronto direto com a polícia para defender os manifestantes pacíficos, ou que quebravam vidraças de instituições financeiras e até patrimônios públicos?

Segundo Willian Novaes, “eram desde garotos com 14 anos, até adultos com, no máximo, 30, 33 anos. Mas a maioria está concentrada entre 18 e 22 anos.

São rapazes do PT ou do PSOL? Turma do PSDB tentando destituir o adversário do governo [federal]? Não existiu nada disso! Uma parte dos adeptos da tática Black Bloc era de anarquistas; a outra, de jovens cansados de conviver com a violência policial e com o preconceito contra pobre e negro. No livro, tem desde morador dos Jardins até da Brasilândia. Tem gente do ABC, do Centro da cidade, de todo lugar.”

Eles se conheceram nas ruas, nas primeiras manifestações, quando apareceram alguns usando a tática que surgiu na Alemanha, há décadas, em meio a protestos políticos. “A maioria ficou encantada. Tinha o problema da violência policial, que eles queriam revidar. E outra coisa perceptível era a paixão comum pela violência. A violência atraiu esses jovens”, disse Novaes.

Para Esther, eles queriam chamar atenção para uma discussão política. “Eles diziam muito que ‘vândalos é o Estado, criminoso é o Estado’. Conseguiram chamar atenção até da mídia internacional. Mas a principal crítica deles mesmos é que não conseguiram levar a verdadeira mensagem que eles queriam. Por exemplo: quebrar agência de banco é um modo de dizer que o banco é um verdadeiro criminoso, que escraviza a população. Mas será que a população entende essa mensagem?”

“Parece que não existiu uma vontade de descobrir quem eram aqueles garotos”, ponderou Novaes. “Nem a imprensa e nem a Polícia chegaram a essa identidade. A Polícia Civil desenvolveu um inquérito, mas tudo indica que a corporação não mapeou corretamente os praticantes da tática Black Bloc.” A corporação acha que se trata, em parte, de jovens incentivados por partidos de esquerda. “Não deveria ser tão difícil mapear porque não eram tantas pessoas assim. Foram poucos garotos. Se alguém tem culpa pela dimensão dessa massa, é a imprensa, que acabou dando espaço demais ao assunto”, acrescentou.

Retorno às ruas

Depois do insucesso na comunicação com a sociedade e do prolema criado com a polícia, será que os mascarados retornam às ruas?

“Uma parte diz que foi usada pelos governantes que queriam disputar entre si. Uns acham que as manifestações tiveram sucesso. Mas no final, a maioria está cansada. Viram que a tática não deu em nada. Por que o que foi que nós vimos esse ano? Nós elegemos um Congresso mais conservador, reelegemos a presidente, Alckmin está reeleito. Por essa avaliação e por outros problemas, como a prisão de dois garotos que não tiveram absolutamente nada com os black blocs, acho não sei se eles voltam à prática”, avaliou Novaes.

Para Esther, há dúvidas. “Esses jovens são engajados, eles se transformaram, deixaram as camisetas negras de black blocs mas estão entrando para outros grupos, como o da campanha do voto nulo. Mas a tática pode virar uma moda, de certa forma. Por exemplo, estamos em São Paulo com uma crise de água. Quem sabe a gente volte a assistir manifestações contra isso, e a tática pode voltar a ser aplicada. Não dá para saber se eles voltam não, porque não é um grupo fechado. É uma tática que pode ser aplicada por quem achar o momento propício.”

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