segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Charlie e o petróleo


Fernando Brito, Tijolaço  

"Nada poderia ser tão ruim,neste momento, para a Europa quanto a eclosão desta crise de relacionamento entre a Europa e o mundo árabe .

Não se trata de uma discussão sobre o fanatismo que levou à execução dos cartunistas ou sobre, apenas, a insanidade da reação xenófoba de parte dos europeus.

É que se estão juntando grandes e preocupantes fatores de crise.

A queda no preço do petróleo, monstruosa, vai interferir – se continuar por algum tempo – profundamente na economia árabe e na europeia.

Os os grandes produtores de petróleo, cujos governos são aliados do Ocidente, são grandes “amortecedores” das pressões migratórias dos países da região sobre a Europa. Os números variam mas, por exemplo, a Arábia Saudita tem cerca de um quarto de sua população de 27 milhões de pessoas distribuídos entre palestinos, sudaneses, egípcios, filipinos, indianos, jordanianos, sírios, turcos e outros.

Nos Emirados Árabes Unidos, asiáticos e árabes de outros países são mais de 80% da população de 10 milhões de habitantes. O Kuwait e outros, menores, seguem perto desta proporção.

Com 90% ou mais de suas economias movidos a petróleo e a queda de mais de 100 para 50 dólares o barril em três meses, não é preciso der nenhum gênio para imaginar o que acontecerá em matéria de pressão migratória e instabilidade política, que estes países costumam reprimir com os métodos mais brutais, embora aí sejam palatáveis ao Ocidente.

Porque é inevitábel uma crise profunda, por lá, na indústria do petróleo, em si, e nos gastos públicos que mantêm o crescimento vertiginoso de suas estruturas urbanas,  construção de estradas, plantas de geração de energia e outras bancadas pelos “petrodólares”.

Que, por sua vez, são destino de empresas, profissionais qualificados e exportações de máquinas, equipamentos e bens de consumo vindos da Europa.

Ah, e de  filiais e joint-ventures de empresas europeias.

Com a China avançando mais devagar e a a Russia apertando o cinto até não poder mais, uma queda nas exportações da União Europeia também para o mundo árabe coloca uma cereja no bolo de dificuldades que vivem.

Só os Emirados Árabes Unidos, por exemplo, importaram mais da Europa que o Brasil: 44,6 bilhões de Euros, 10% mais que nossas importações da UE.
Sem contar as injeções de capital financeiro.

Os governantes europeus – a começar pelos conservadores alemães, os mais mobilizados contra o avanço da islamofobia – sabem disso melhor do que ninguém, mas parecem catatônicos diante do perigo político de que a ultra-direita galgue mais um degrau no já crescente  apoio político com que conta.

E, como parece ser uma praga mundial, inclusive  por aqui, adotam a “estratégia” de serem parecidos com seus adversários, em lugar de enfrentá-los.

A caprichosa “liberdade”  de praticar o mau-gosto e a humilhação de povos ao retratar Maomé “pelado” joga gasolina em fogueiras que ardem muito longe de Paris."

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