Jurista diz que a situação do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu,
preso ilegalmente em regime fechado, não deve se alterar enquanto o
tribunal for presidido por Barbosa: “A mim me parece que, enquanto o
presidente do Supremo for esse, é muito difícil que haja em relação ao
Dirceu uma postura serena. É uma falta de respeito ao direito do
condenado. O Judiciário deve ser equânime, sem olhar a posição das
pessoas. Mas a mim não surpreende. Fico apenas lastimando. O Judiciário
não é mais aquele de outrora, pelo menos não o Supremo”
Por Eduardo Maretti, da Rede Brasil Atual
São Paulo – O advogado José Luis Oliveira Lima aguarda que saia “a
qualquer momento” a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim
Barbosa, sobre a sindicância que apurou o suposto uso de celular pelo
ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, no começo do ano, dentro do complexo
penitenciário da Papuda, em Brasília. A suspeita e as investigações estão
impedindo o condenado de conseguir trabalho externo, dispositivo previsto no
regime semiaberto, ao qual tem direito porque sua condenação pela Ação Penal 470,
o mensalão, é inferior a oito anos. “O inquérito administrativo está com o
ministro Barbosa para ele decidir. Está concluso com ele hoje. Pode ser a
qualquer momento”, disse Oliveira Lima à RBA.
No dia 21 de março o juiz Bruno Ribeiro, da Vara de
Execuções Penais do Distrito Federal, enviou ao presidente do STF o inquérito
administrativo que apurou a “falta grave” de Dirceu, a qual motivou a suspensão
da análise do pedido de trabalho externo. A apreciação do pedido de trabalhar
externamente, determinada pelo ministro Ricardo Lewandowski em janeiro, estava
em andamento até 11 de fevereiro, quando Joaquim Barbosa, ao voltar de férias,
a suspendeu alegando que “importou um atropelamento do devido processo legal”.
O advogado de Dirceu diz que não quer se manifestar antes da
decisão de Barbosa. “Acontece o seguinte: estou aguardando a decisão do
ministro para ter uma posição mais assertiva. Não estou me manifestando a não
ser no processo.” Segundo ele, Dirceu está “sereno”.
Atualmente, o ex-ministro da Casa Civil do governo de Luiz
Inácio Lula da Silva entre 2003 e 2005 cumpre pena de 7 anos e 11 meses em
regime fechado, embora tenha sido condenado ao semiaberto. Em 27 de fevereiro,
o plenário do Supremo Tribunal Federal acolheu os embargos infringentes
interpostos pela defesa e absolveu, por 6 votos a 5, oito réus, incluindo
Dirceu, da acusação de formação de quadrilha na Ação Penal 470.
Por lei, Dirceu terá direito à progressão da pena (do regime
semiaberto para o aberto) após cumprir um sexto dos sete anos e 11 meses. O
trabalho do sentenciado atenua o tempo de prisão. “Ele já está trabalhando
dentro do sistema prisional. Quando ele fizer o trabalho externo, também vai
computar o tempo de trabalho, mas por enquanto está contando a remissão
relativa ao trabalho que ele está fazendo dentro do sistema penitenciário”,
explica Oliveira Lima.
Considerando, em tese, que Dirceu continuasse na mesma
situação, a progressão para o regime aberto se daria em sete ou oito meses.
“Provavelmente ocorreria a progressão de regime em outubro ou novembro, para
regime aberto”, calcula o advogado.
Para o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, que assinou, em novembro,
manifesto de intelectuais e juristas em “repúdio às prisões ilegais” dos
condenados na Ação Penal 470, a situação do ex-ministro da Casa Civil não deve
se alterar enquanto o tribunal for presidido por Barbosa. “A mim me parece que,
enquanto o presidente do Supremo for esse, é muito difícil que haja em relação
ao Dirceu uma postura serena. É uma falta de respeito ao direito do condenado.
O Judiciário deve ser equânime, sem olhar a posição das pessoas”, diz. “Mas a
mim não surpreende. Fico apenas lastimando. O Judiciário não é mais aquele de
outrora, pelo menos não o Supremo.”
Ditadura “togada”
Na opinião do jornalista e escritor Fernando Morais, que
também assinou o manifesto, a prisão de Dirceu em regime fechado, tendo direito
ao semiaberto, é uma “aberração”. Ele afirma que sua posição em torno da
questão não deve ser entendida como uma preferência partidária,
"chapa-branca", mas como uma defesa dos direitos básicos da
democracia. “A sociedade está testemunhando: vai fazer cinco meses que Dirceu
está preso, em prisão fechada, embora tenha sido condenado a semiaberto. Isso é
uma aberração jurídica, uma barbaridade. O presidente da Corte mais importante
do país está se regendo por notícia de coluna social, foi isso o que
aconteceu”, lembra Morais.
O pedido de análise do benefício de trabalho externo de
Dirceu foi suspenso pela Vara de Execuções Penais do Distrito Federal com base
em nota do jornal Folha de S. Paulo de 17 de janeiro, que funcionou como
denúncia. Segundo a nota do diário, o secretário de governo do estado da Bahia,
James Correia, teria supostamente conversado por celular com Dirceu no dia 6 de
janeiro. “Simplesmente por causa de uma fofoca de coluna social a corte mais
importante do país submete o preso a uma pena adicional à que foi condenado”,
critica Fernando Morais.
O jornalista vê uma substituição de um autoritarismo do
período da ditadura (1964-1985) por um autoritarismo “togado”, embora o regime
militar tenha feito mais mal por ter matado e torturado. “Desde que acabou a
ditadura, você vai perceber que em alguns momentos fica muito claro, em certos setores
da sociedade, que acabou a censura fardada e começou a censura togada”, diz
Morais.
Ele cita como exemplo a proibição de obras literárias pelo
Judiciário. “Quem está censurando livro no Brasil? Quem tirou livro do Ruy
Castro de circulação, que decretou a incineração da biografia do Roberto
Carlos, quem é que me condenou a pagar multa se eu falasse em público de um
trecho de um livro meu?”, questiona. “Nem a ditadura fez isso. Fez pior, matou,
torturou, mas nunca proibiu um autor de falar publicamente sobre seu trabalho.
Quem está fazendo isso? A ditadura, a censura togada.”
Para Fernando Morais, os fatos que envolvem José Dirceu são
um “negócio armado”. “Não me surpreendo mais, perdi a ilusão. Sempre fui muito
pessimista sobre esse processo [do mensalão], desde o começo, sobretudo quanto
ao Dirceu, que eu achava que ia para a cadeia”, conta. “Porque a cada dia que
passava ficava mais claro que se tratava de um processo político, um processo
simbólico, porque, embora tenham escolhido o Dirceu para ser o ‘cabra marcado
para morrer’, no fundo estão tentando condenar o PT, o Lula, a Dilma, o
primeiro governo progressista que este país tem em muitas décadas.”
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