Há um velho vício nas citações de uma frase do romance "O Leopardo", de
Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Atribui-se ao príncipe de Salina (Burt
Lancaster no filme) a frase "algumas coisas precisam mudar, para que
continuem as mesmas". Salina nunca disse isso e, se tivesse dito, o
romance de Lampedusa seria pedestre. A frase, colocada indevidamente na
epígrafe do filme pelo diretor Luchino Visconti é de Tancredi, o
sobrinho do príncipe (Alain Delon), um oportunista bonito e banal. O que
Salina disse foi algo mais profundo: "Tudo isso não deveria poder
durar; mas vai durar, sempre; o sempre humano, é claro, um século, dois
séculos...; e depois será diferente, porém pior".
Na campanha de Marina Silva há um componente de Tancredi (visível no
encanto que ela desperta num pedaço da turma do papelório) e a maldição
deixada pelo príncipe. Julgá-la será tarefa de cada um. Desde que ela
se tornou candidata a presidente, propõe uma "nova política" e
apresentou um extenso programa de governo. Como todos os demais, é um
tesouro de promessas. Em menos de um mês, Marina defrontou-se com dois
episódios concretos: a escalafobética propriedade do jatinho que caiu,
matando Eduardo Campos, e dois pontos de seu programa, anunciados na
sexta-feira e renegados no fim de semana.
Nos dois casos, Marina comportou-se de acordo com o manual da velha
política, com explicações insuficientes ou jogando o problema para
adiante.
No caso da propriedade do jatinho, embaralhou o enigma do avião com a
defesa da memória do candidato morto e disse que se deveria esperar a
conclusão das investigações. O Cessna pertencia a uma usina falida e
fora comprado por um empresário pernambucano, do ramo de importação de
pneus usados. Admita-se que Eduardo Campos e ela não sabiam de nada,
como Lula nunca soube do mensalão. Seu comportamento certamente evita
prejulgamentos, como a doutora Dilma frequentemente argumenta na defesa
de sua equipe. É a velha política.
No caso dos recuos programáticos instantâneos, o comando de sua campanha
deu-se à pura empulhação. Atribuiu a mudança em relação à
criminalização da homofobia "a uma falha processual na editoração". Seja
lá o que isso queira dizer, o pastor Silas Malafaia havia postado uma
mensagem: "Aguardo até segunda-feira uma posição de Marina. Se isto não
acontecer, na terça será a mais dura fala que já dei até hoje sobre um
presidenciável". No sábado, ficou satisfeito. Um candidato pode ser
contra ou a favor de qualquer coisa. O que não pode é dizer uma coisa na
sexta-feira, outra no sábado, com porta-vozes atribuindo isso a "uma
falha processual na editoração".
No caso do incentivo às centrais nucleares, "vitais para a sociedade do
futuro", deu-se a mesma coisa. Entrou e saiu. Teria sido um "erro de
revisão". Erro de revisão teria sido listar as usinas nucleares entre as
fontes de energia "vitais para a çossiedade do futuro".
Não se pode cobrar a candidatos coerência nem fidelidade aos seus
programas. Embromar é coisa diferente, velha como aquilo que Marina diz
combater. Mudar para que tudo continue como está é um truque velho.
Acobertamentos e dissimulações trazem o risco de que tudo fique
"diferente, porém pior".
Janio de Freitas
No fAlha
Do Blog CONTEXTO LIVRE.
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